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Foto do escritorTrilheiras

Povos originários são guardiões da sociobiodiversidade enquanto lutam para não serem extintos.


Ainda há luta entre os povos que percebem a terra como profana e aqueles que a sentem como sagrada. Por que insistimos na disputa em relação ao diálogo? Por que a dualidade da matéria ainda nos impede de transcender fronteiras políticas ou espirituais? Não estamos, afinal, todos do mesmo lado?


https://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/noticia/2017-04/pacificamente-4-mil-indigenas-protestam-em-brasilia-contra-reducao-de-direitos
Foto: Agencia Brasil

Não deu tempo de construir uma cápsula para nos levar a Marte ou Júpiter ou até mesmo ao Sol, como proferiu Drummond em uma das minhas poesias preferidas: "O homem, suas viagens". Aqui, estamos no único planeta que nos abriga e "descobrindo em suas próprias inexploradas entranhas, a perene, insuspeitada alegria de nele conviver". Há muita alegria, e há muita dor nesse convívio, mas será que realmente estamos nos permitindo sentir a dor dos nossos? Ou caminhamos rumo a uma sociedade cada vez mais interessada em anestesiar, maquiar e entreter nossa infelicidade frente a realidades que nos assombram - o clássico “pão e circo”? Quais são as verdadeiras consequências disso para nossa própria sobrevivência enquanto ecossistema?



Durante a pandemia causada pelo vírus Covid-19, pudemos ter a oportunidade de ter maior clareza acerca do que significa, na prática, a nossa real conexão entre o morcego, a árvore, o padeiro, o padre e o indígena. Pela primeira vez ao longo da nossa existência enquanto espécie, defrontamo-nos com a possibilidade da completa extinção. Existimos dentro da teia da vida, que é um sistema complexo e interconectado, no qual cada parte desempenha um papel importante. Quando um componente é alterado ou excluído, o sistema inteiro é afetado. Essa visão, por si só, também conhecida como pensamento sistêmico, tem sido alvo de estudos de cientistas e ambientalistas para resolução de diversos problemas socioambientais complexos.


O pensamento sistêmico acredita que a racionalidade científica não oferece parâmetros suficientes para a promoção do desenvolvimento humano e para a descrição do universo material. Por isso, esse complexo processo de tradução da concretude da matéria e seus inúmeros atravessamentos biopsicossociais deve ser acompanhado da subjetividade manifestada através das artes e das diversas tradições, cultos e ritos espirituais. Acima de tudo, o que considero mais interessante sobre esse pensamento, que é o grande guarda-chuva para a metodologia do rECOnectar, é que nos elucida um grande senso de autorresponsabilidade que nem todos estamos dispostos a incorporar, mas que parece ser a chave-mestra para a transformação micropolítica frente aos tempos que estamos vivendo.


Semana passada, fomos assombrados com a notícia de aprovação do projeto de lei 490/2007 que representa um retrocesso nos direitos indígenas. Defendido pela base bolsonarista e pelo agronegócio, o PL490 é considerado estopim para o aumento de grilagem de terras, exploração de florestas e de áreas protegidas, sendo responsável por também remover a fiscalização de atos ambientais criminosos e facilitar (ainda mais) a legalização de empreendimentos em áreas de reserva, como garimpos ilegais e hidrelétricas. Se você ainda tem dúvidas sobre o papel dos indígenas no macro-organismo vivo que é o planeta Terra:



Foto: Midia India (@midiaindiaoficial)

Representando menos de 5% da população e suas terras 22% da área terrestre mundial, povos indígenas protegem 80% da biodiversidade global (ONU, 2018)


A quebra do equilíbrio proporcionado pela sociobiodiversidade condiciona a emergência de zoonoses virais com potencial pandêmico. Uma relação dinâmica entre espécies animais e vegetais, inclusive de micro-organismos, mantém vírus e outros micro-organismos naturalmente controlados e contidos num ecossistema saudável. Isso é tão preocupante como paradoxal, uma vez que os múltiplos benefícios da biodiversidade são essenciais, especialmente nesses momentos: protege-nos de doenças infecciosas. E não pude deixar de pensar em tamanha ironia e tristeza que é ver os principais cuidadores da nossa própria Natureza reunidos na frente do Planalto tendo que negociar o que, pra eles, é simplesmente inegociável.


Se você perguntar a um representante de um povo originário se ele sabe o que é o termo "Pensamento Sistêmico" da forma como eu descrevi acima, provavelmente ele vai rir, porque vive isso - brincadeiras à parte, mas falando sério. Se você perguntar qual é a diferença entre você e uma árvore, ele vai te responder que é nenhuma. E essa é a base do pensamento sistêmico, afinal, ele não precisa de palavras complexas para ter o entendimento, ele vem do coração, vem a partir do Sentir.


A razão pela qual os povos originários são mestres nos quais devemos nos espelhar para conservarmos a Natureza e, consequentemente, a nossa própria espécie, não é somente pelo fato de eles viverem de maneira genuinamente sustentável, usando os recursos de forma racional. A simples e grande diferença que desencadeia essas atitudes genuínas é o olhar perante a Natureza. Para os povos originários, a Natureza é sagrada. Eles sentem as suas dores como se fossem deles, sem qualquer distinção.



" O que mais necessitamos escutar dentro de nós é o som da terra chorando"

Frase Budista



Eu poderia listar nesse texto centenas de práticas e ações que poderíamos tomar frente a diversos problemas ambientais. Mas, pra mim, fica cada vez mais nítido o conceito de que na verdade nada disso realmente valerá se não reconhecermos a Natureza como um sujeito de direito. Isto é, como uma entidade que clama por ética e justiça, assim como os mais de 4 mil indígenas que estão agora acampados no Planalto em Brasília. E depois, entendermos que as dores deles, assim como as dores da Natureza, são nossas também. Talvez um dia a gente consiga se conectar tão profundamente com ela que possamos de fato sentir, sem necessitarmos do entendimento racional, como os mestres e mestras indígenas - a dor da Terra é a dor de todas as espécies que vivem nela. O amor da Terra é o amor de todas as espécies que vivem nela.



" O que me ajuda a não ter medo do sofrimento é lembrar que simplesmente estou sofrendo com o meu planeta. O planeta está sofrendo, e eu estou sofrendo junto com ele, pois sei que sou uma parte inseparável da teia da vida. Esse sofrer com é o significado literal de compaixão."

Joanna Macy



A inclusão dos povos originários em temas que nos interessam, mais do que nunca, apresenta uma oportunidade importante de aprender com as gerações de observação cuidadosa, ao mesmo tempo que reforça seus direitos de se beneficiar (ou viver), acessar e agir como guardiões de suas terras tradicionais. Não estamos percebendo a brilhante ideia de que demarcar terras indígenas é preservar nossa própria espécie. A nossa incapacidade de atribuir valor a conhecimentos ancestrais, principalmente relacionados à proteção e conservação da sociobiodiversidade, se reflete em uma sociedade com uma visão de mundo ainda limitada e pautada na forma consumista e linear de viver, que já se provou, repetidamente, ser insustentável para nós.


Esse texto não é só sobre a PL 490. Esse texto não é sobre a proposição de soluções para sustentarmos a nossa própria sobrevivência na terra. Esse texto é sobre uma virada de chave, sobre como estamos nos percebendo , bem como os outros e a Natureza, sempre em interrelação e interdependência. Quando verdadeiramente sentimos as dores do outro, é insustentável nos mantermos apáticos. Quem é corajoso o suficiente para embarcar nas profundezas de suas próprias dores é quem genuinamente está lutando pela dor de todos. Esse texto é um convite para nos permitirmos sentir as nossas dores, para que possamos cocriar soluções sistêmicas frente aos problemas que estamos enfrentando. Vamos juntes?



Autora: Nathalia Nasralla

Co-fundadora rECOnectar


Co-Autora: Luiza de Britto Dorneles

Contribuições: Alcineide Magalhães, Gabriela Guidara, Giuliana Guidara, Nelson D.



FONTES & LINKS COMPLEMENTARES:












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